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RESENHA DO LIVRO - A NORMA OCULTA DE MARCOS BAGNO

Quanto valemos?

“A norma oculta: língua e poder na sociedade brasileira” (Parábola, 2003, 200 páginas), do linguista Marcos Bagno, apresenta em sua obra a língua portuguesa como um todo, suas normas, seus estigmas, seus seguidores fervorosos e aqueles que apenas “sofrem” a língua.

A Norma da língua Portuguesa Brasileira se mostra dúbia em diversos sentidos, cada qual com a sua ideia, mas a maioria com a certeza de que sabe a forma “certa”. Alguns descrevem como “Culta”, “língua exemplar”, outros como “padrão” e até o “dialeto culto padrão”. Tendo em vista que “Norma” tem duas definições e “Culto” também tem duas definições, fica quase que impossível afirmar que o Português possui uma “Norma Culta” que o rege.

Durante o decorrer de sua obra, Bagno chega à conclusão de que o preconceito linguístico não existe e na verdade se disfarça de preconceito social. Tendo em vista que aqueles que se encontram em camadas privilegiadas da sociedade não são julgados pelo que falam e aqueles que estão numa camada “inferior” são quase condenados quando são flagrados na mesma ação.

Toda a trajetória de diferentes línguas é explicada, a francesa, a inglesa americana, a portuguesa de Portugal e a portuguesa brasileira. Foi muito nítido a partir das transcrições de acontecimentos históricos de cada país, que a língua foi alterada de acordo com as revoluções sofridas. No Brasil, as revoluções ocorridas sempre tiveram o mesmo resultado visto no trecho abaixo. 

Talvez possamos ver nisso tudo algumas das explicações para as três grandes características da sociedade brasileira, praticamente inalteradas desde a época colonial: autoritarismo, oligarquismo e elitismo - politicamente autoritária, economicamente oligárquica e culturalmente elitista. (BAGNO, 2003, p.86)

Os fatores acima tornaram a língua o que é hoje, algo distante e que parece não nos pertencer, numa redoma protegida do tempo e das pessoas, quase que sobre um altar inatingível. Apesar de ser possível provar, apenas olhando qualquer texto antigo, que as línguas mudam de acordo com o tempo e situação, existem diversos “movimentos de defesa a língua”. Eles tentam proteger a língua de seus próprios falantes, como se ela só pertencesse a eles, Bagno os descreve como: “puristas, de atitude fascista, autodenominados filósofos, moralistas ultrapassados, patéticos, preconceituosos e da extrema direita mais retrógada” (2003, p. 121). Esses “defensores da língua” escrevem a literatura como a base para a escrita, mas apenas a que convém e condiz com a regra vigente, tendo variantes ignoradas.

Além dos movimentos anteriormente descritos, a Academia Brasileira de Letras, os clássicos, os gramáticos e os dicionários, o sistema jurídico e o poder legislativo, o aparato estatal, as instituições religiosas e os meios de comunicação influenciam os ambientes sociais e assim a língua reforçando a visão de “erro”.

Com todos esses fatores contra, boa parte da população acaba por se tornar analfabeta em sua própria língua, tendo em vista que as “regras” não são acessíveis a todos e com essa lógica distorcida, as pessoas se tornam culpadas por não conhecerem algo a que não foram apresentadas.

Muito do que é aprendido pelas pessoas não reflete sua realidade e esta é apontada frequentemente como errada. O único lugar a que se tem tido a oportunidade de se comunicar com a variante estigmatizada é na Internet, mas mesmo nela encontramos ditadores do correto, julgadores dos “erros crassos” e sábios do castiço.

Tendo em vista todas as contradições e ambiguidades das definições de uma “Norma”, Marcos Bagno divide as terminologias em padrão, prestígio e estigma. Sendo a primeira a normativa, a “norma culta”, inspirada na literatura do passado; a segunda a “norma culta” dos pesquisadores e falantes com nível de escolaridade alto; e a terceira e última, a “norma popular”, na qual se encontram as variedades linguísticas e abrange a maior parte da população.

Assim, fica definido pelo autor que a primeira norma culta fica com a terminologia de “norma-padrão”, idealizada e irreal, existe apenas no papel e na imaginação de alguns; a segunda norma culta fica como “variedades de prestígio”, por conter alguns aspectos da norma dita “padrão” e as variedades aceitáveis pelas classes sociais em que se encontram quem as utilizem e a terceira “norma popular” fica conhecida como “variedades estigmatizadas”, totalmente caracterizada pelo seu status social.

Toda essa idealização da língua só a torna motivo para o preconceito, movido pelo ódio ao diferente. A visão deturpada de que existe uma língua perfeita e pura só demonstra a ingenuidade e falta de conhecimento daqueles que defendem esse argumento. A origem do português, vinda do Latim Vulgar, falado pelo povo como o nosso, sem acesso à dita melhor cultura e língua perfeita, jamais produziria algo como se acredita ser a língua atual. Como é possível afirmar que a língua não sofre alterações vindas de seus falantes, se temos tantas diferenças na nossa fala já infiltrando nossa grafia? Se a língua não mudasse ainda falaríamos Latim Vulgar, o que não está muito longe de acontecer, com todas as transformações na fala, estamos quase falando Latim novamente. A ocorrência dos Metaplasmos, fenômenos fonéticos, tem feito a língua falada evoluir de uma maneira a retornar ao antigo.

Vejamos parte no capítulo “E o que fazer com a Norma-Padrão?”, escrito por Bagno (2003), em que o autor cita outro texto de uma entrevista à Revista Ciência Hoje (vol. 31, n° 182, maio de 2002):

Como temos sido eficientes nesse estéril ofício de censores! Geramos na consciência do outro uma convicção tão monstruosa sobre a possibilidade de reduzir a língua a uma questão de certo ou errado, que hoje o que as pessoas querem ouvir do professor de português é um veredicto para elas mesmas. Estou certo? Estou errado? Serei condenado ou terei a absolvição? É uma lástima que a concepção costumeira sobre o que seja estudar uma língua tenha chegado a nível tão baixo! (CASTILHO, 2002 apud BAGNO, 2003, p. 189).

No mesmo capítulo, Bagno reafirma a necessidade do ensino das Variedades Linguísticas e também da Norma-Padrão, apesar dos protestos de todas as partes. Alguns dizem ter perdido quando nos PCN’s (Parâmetros Curriculares Nacionais) as variantes foram inclusas, como se fosse uma guerra, ou melhor, uma briga de crianças, na qual se encontram perdedores e vencedores.

Nessa “guerra” de egos entre gramáticos e linguistas, o povo continua sem valor, ignorado e maltratado. Mas a língua continua a mudar e a seguir em frente, pois por mais subjugados que sejam, todos continuarão a viver e a língua se alimenta de cada dia vivido e se altera, assim como foi dito pelo linguista inglês David Crystal (1987, p. 328), “...A língua só ficaria parada se a sociedade parasse....”. É inegável a influência da sociedade na língua, seja interna ou externa, centrífuga ou centrípeta, só é triste que muitos tentem ignorar e esconder isso, apenas para não admitir o que o povo pode fazer. A ignorância é uma benção, mas não aos ignorantes, que sequer percebem o quanto sofrem e, quando percebem, não sabem o porquê.

Sabemos as intenções do leitor quanto a sua obra, mas como o texto é escrito com correta concordância e coesão, possui profundidade nos tópicos, seu alcance pode não chegar àqueles de quem ele mais fala. O tema não é original, vem sendo discutido por outros autores desde antes da primeira publicação deste (2003), mas possui validade quanto à necessidade de se falar do importante tema.

 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS

 

BAGNO, Marcos. A norma oculta: língua e poder na sociedade brasileira. São Paulo: Parábola Editorial, 2003. p. 200.

 

CRYSTAL, David. The Cambridge Encyclopedia of Language. Cambridge: Cambridge University Press, 1987. p. 524.

 

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO. Parâmetros Curriculares Nacionais. Língua Portuguesa: Língua Portuguesa. Brasília: Secretaria de Educação Fundamental. 1998. p. 144.

Autora: Amanda Maria de Oliveira Campos - Estudante de Letras - UNISANTOS

A Norma Oculta
Referências
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